segunda-feira, 23 de junho de 2008

PARA LUCIANA

LUZES

para Luciana Stegagno Picchio




Teus olhos
doces
vagam vagas vagas
vagas horas
no tempo
perdidas
a navegar o vento
plenas
de amores passados
suspiros
doces venenos…

Sombra aparente
esconde
passageiramente
tua imagem
teus olhos
teu pensamento
fantasia
teu estro
sorgenti
de amor e razão.

Duas estrelas
teus olhos miram
o sol brilhante
o dia claro
o invisível espaço
no teu passar manso
de passar passando
a vaguear as musas
Beatrice Laura Dinamene
o céu a terra o vento sossegado
[1]
na véspera de não partir nunca.
[2]

Ciò che m’ incontra, ne la mente more,
quand’ i‘ vegno a veder voi, bella gioia…
[3]

Dancemos dancemos a dança em cadência
juntos
ao fim da jornada clara
oh! Ninfa minha
assim não deixarás
quem não deixara nunca de querer-te.
[4]

Todos nesta selva escura
em verdade temos medo
do destino
dos fados
de nossa vida incompleta
esse silêncio surdo
de um solitário horror.

Nascemos no escuro
cheiramos flores de medo
vestimos panos de medo.
[5]
De medo fugimos
descendo o rio
mas não deixamos de amar.

Olho-te imito
espelho
que me agrada e me assusta
mas por enquanto quero
teu rosto
teu gesto a palavra
esperança.

Ao fim de um dia escuro
não há abismo
nem eterno olvido
nem fim ou heresia
ainda que chores
ou mesmo suspires.

Seja em Roma ou Babilônia
faz dia
para quem se nutre
do que cria.

Hoje
eu tomo alegria!
Eis aí porque vim assistir este baile de terça-feira gorda!
[6]

Roma, 15 de julho de 2004.


[1] Camões
[2] Pessoa
[3] Dante, “Vida Nova”, soneto VIII
[4] Camões
[5] Drummond
[6] Manuel Bandeira

RICORDANZA

[io tradotto da Luciana]


Così intimamente guardavano l’orizzonte,
il mare libero, il vulcano nell’isola
e l’immaginazzione.

La terra ferma ed il firmamento ermo erano loro vita
nella variazzone della nebbia di sempre.
La sppiaggia lontana, un sogno il vascello,
I figli dei figli,
un duro colpo freddo nell’anima.

La partenza senza ritorno simili a uccelli
che lasciano il silenzio buio
nudo della vollonta scarnita
cercando un porto di dignità
dove rifiorire.

L’agonia dell’essere lampeggiando
quando la stanza vuota
è l’invito all’avventura
e a la memoria che vola.

La storia invecchiata aspro esilio
de cuori che ritornano brasiliani tra i venti
dell’italianità latente.

Roma, 2005

domingo, 22 de junho de 2008

SAUDADE GENÉTICA

SAUDADE

sombra que beija o tempo distante
no sonho que deu certo

talvez o amor valesse a busca
de futuro ignorado

talvez eu seja o filho ansioso
herdeiro do destino
abandonado no tempo sem feridas

talvez ausências reluzentes
na noite de meu dia
vivam a penumbra
do labirinto genético disperso

socialistas pobres anarquistas
irresponsavelmente
il rimembrar. Che fummo?

Gente di sudato sogno
[1]
a exportar colheita em terra prometida
dispersando eternidade


Roma, julho de 2004.


[1] Leopardi in ”Coro dei morti” – “o recordar. O que fomos?” Gente “de suado sonho ”

SOMA

eu sei bem eu já pressinto
ser um só
mas
sou mais de um e estou só

serei tres ou mais serei
no contar o quanto sei?
não somei
os tantos em que me tornei


Roma, dezembro de 2003
.

RETORNO

VOLTAR

“TERIA JEITO DE VOCE VIR
PARA ALGUNS EVENTOS,
PARA TODOS,
PARA SEMPRE?”
[Octávio Mello Alvarenga em um e-mail]


Para sempre voltar
para sempre
alheio a caminhar
para sempre
muito longe no meu sonho
para sempre
de rever os meus amigos
e trilhar os seus caminhos

c’é da fare ancora …

a alegria entre o branco e o vermelho a crepitar
a tristeza no anoitecer

para sempre
oscila a vida
no fatal réquiem final

c’é tanto da fare ancora…

mas espera
chegaremos hoje ou amanhã
que inda hei de voltar
para sempre
do alto do Himalaia ao mar raso a quebrar


Roma, 17 de abril, de 2005.

MINHA TERRA


MEU CANTO

o sentimento não é lugar de exatidão
neste planeta
como poeta o tempo deu-me o sonho
e o destino minha terra

a sonhar vivi o mundo por espaços de perder-me
ven-tu-ro-sa-men-te
prisma
a decompor o coração
em gente diferente
mas
as tardes de domingo são o mundo que criei
na lembrança que lhes dei
céu azul ouro café
verde mar verde floresta
como uma forma de fé
.
a alma louca de saudade
celebra o dia
que desliza
na pracinha em pedras brancas
iluminada de ilusões

.
amo esse canto onde o sol posso tocar
casas à margem das ruas
caiadas
mil perfumes no ar
a porta e a janela
de um profundo azul anil
.
o coração acariciado
invoca a claridade e a cor
.
no domingo insconsciente
a beleza é meu desejo
de ouvir tocar sentir
coisas de minha terra


Roma, dezembro de 2003.

A MINHA ITÁLIA


ITÁLIA MINHA


Itália tu me és pátria sangue e raiz!

Quero-te como és vibrante e melancólica
porque vives
és minha alma como a coisa certa que restou
de todas as memórias que não tive
na mensagem de amor que me ficou.

Sei-te bela sob teus céus de nostalgia
vi-te jovem em todos os meninos
que subiram montes e desceram serras
na beleza de sentir para herdar dos Apeninos
o modelo de altivez que me ensinaram.

Amo-te como amei por toda vida
os que me precederam
a contar-me os segredos de teus campos
de verdes e amarelos prenunciando a foz
cujo sentido imortal é esse dom de musicar
o som do Pó e a luz do Tibre
por sobre o marejar que nos uniu

Sou eu que sobrevivo a todos para dizer-te
que jamais nos deixaste
e que meu caminho foi o caminho de teus pés
em terra tão bela amada grande e minha mas distante.

Vou-me e fico clandestino
a alma dividida entre tuas tarantelas
e o calor do amor no carnaval
na sentença imutável do destino.

Itália de meu pai tu és minha!

Roma, julho de 2006.

RECEITA DE PASTA "A LA PIETRA"



ao Professor Armando Ferrari e ao meu primo Marcello Perri [Chef]

Receita de pasta alla pietra macerata



a pedra que lhe trago pede tragos
se não estiver de dieta

o monólito não tem dimensões
como soía
apura o gosto
sensibilidade
e imaginação
[e fantasia sexual quando possível]
destreza
acessórios variados
e um enorme coração
[ainda nas vibrações da paixão]
copo curto
faca de corte
tabuleiro
copo alto
transparente
cumbuca de bom tamanho
jarro de vidro
[daqueles claros de bom gôsto]
sorte

Ingredientes
fettuccine para quatro
muito gelo
funghi porcini
frescos
[para casais de boa convivência]
três dentes de alho
grandes
[de mastigar e jamais beijar depois]
prima spremuta
poeira de cebola seca
poeira de estrelas
[abundantemente inacessíveis]
poeira de fragmentações [todas]
vinho tinto
sal [só o marítimo]
manteiga
sem sal
[tanto faz marítimo ou artificial]
grana padana
funghi porcini secos
Scotch
deixa-se a pedra de molho
[no scotch sem gelo]
que se pode consumir
devagar
quase alheio [como quem nada faz]
macerando a pedra
repor [com urgência]
a cada vez que o nível baixe
criticamente
o preparo é longo,
para apurar
pode levar uma hora
se o cozinheiro não embebedar
ah! um Barolo para acompanhar.


Roma, 28 de julho de 2004.

RICORDANZA

RECORDAÇÕES DO QUE NÃO VI


----------------------------- 1

Tosca Itália minha Itália!

---------------------------- 2

teu corpo adornado da eterna arte
é tua escritura Itália teus poetas teus filósofos
não a sobra de teus deuses

guardo de ti o respeito deslumbrado
do arado e seu traço no sulco de caminhos caminhados
amo tuas encostas
as flores amarelas em teus campos,
os vilarejos arrampicati
nas montanhas o teu passado

-------------------------------- 3

calabrezes outra gente
desamparados da bota descalça nos ladrilhos rotos
o destino de tuas águas era não ficar em ti

jamais imaginei tocar os sonhos de meu pai!
vivo Itália a saudade do que não és
a lembrança cintilante dos olhos de meninos
nas duas vezes que partiram

guardo a impressão de tuas estrelas
dos campos doces a verdejar em flores
da sombra amena dos ciprestes,
e eu pensava
felicità fingendo al viver mio.
[1]

lembranças em muros de tijolos
curtidos escuros rompidos
circundando lajes em pátios centenários
de casarões onde nasceram
mas não morreram

---------------------------- 4

Sempre em negro lenço trançado sobre o olhar furtivo
indagativo crítico sofrido
di questa vita dolorosa e nuda
em selva de ciprestes sensitivos

che dolci sogni
donne nascoste e le finestre chiuse,
guardano la gente di sfuggita sconsolate
per insinuare pensieri inutili
benché ‘l parlar sia indarno a le piaghe mortali
[2]
ai vecchi ai mariti al padre autoritario
alla gazzarra dei bambini ribelli
sulla piccola piazza del paesino arrampicato
dove le pietre erano case
e la fratellanza presente
erano loro erano quel lume di gioventù
e como un sogno fu la loro vita!
[3]

Olhos de meninos azuis os montes
por onde a infância a colher flores
corria entre
erbe del loro orto
erba amara erba mora erba morella
erba stella erba strega

a ver o mar
do Vesúvio fumegante
o Stromboli distante
e o Etna
mai visto e le loro luci al buio fondo nero
[4]

ascoltando il canto roco della montagna minacciante.
sotto quel cielo di quelle stelle
quei monti vaporose erano giganti
i fantasmi dell’ immaginazione
a che varcare I confini fanciullo
io mi sognavo.
[5]

com os olhos no passado vejo o presente
futuro que a vida lhes roubou em terra ausente…


------------------------- 5

nunca se calaram entre cadeiras à calçada
em seu desterro alegre
viveram a melancolia da saudade
de lembrar il paesino
no tempo abbandonato

recordações histórias mitos
il lupo mannaro nel grido lungo della sera
un grido di dolore sconsolato
le grida dei bambini che giocano…
[6]

em cada um mitos desdobrados no emaranhado dos sonhos
entre o que houve e o que não houve
entre o que conhecem e o que não sabem
nunca a indiferença
mas
il pensier del presente, un van disio
del passato, anchor triste, e il dire:
io fui
[7]

a segurança eram olhos fitos no futuro sussurrante


Roma, agosto de 2004.

[1] Leopardi, in Selected Poems, Le Ricordanze : “Felicidade fingindo-me o viver.”
[2] Petrarca, Canz., XXXVIIi
[3] Leopardi, Le Ricordanze

[3] Que doces sonhos
mulheres recolhidas eas janelas cerradas,
olham a gente de soslaio desconsoladas
para insinuar juízos inúteis
já que falar às chagas mortais seria em vão
aos velhos aos maridos ao pai autoritário
à algazarra dos meninos rebeldes
espalhados na pracinha do vilarejo pendurado
onde as pedras eram casas
e a irmandade presente.
Eram eles, eram aquele lume de juventude
e como um sonho foi a sua vida.

[4] …e o Etna nunca visto, e suas luzes contra o escuro fundo negro.

[5] Escutando o rouco canto da montanha ameaçante
sob aquele céu de tais estrelas,
aqueles montanhas vaporosas
eram gigantes
fantasmas da imaginação,
e que ultrapassar-lhes os confins, menino,
eu sonhava.
[6] o lobishomem no longo uivo da noite
um grito de dor desconsolado
os gritos dos meninos que jogam…
[7] Leopardi in Selected Poems, Le Ricordanze :” A consciência do presente, um vago desejo / do passado ainda triste, e o dizer: eu vivi.”

PRESENÇA



meu pai


escrevo pedras penso homens
a palavra é apenas a palavra
o sentimento
onde recolho a lembrança de meu pai
no seu andar cadenciado e calmo
na calma de quem caminha
e espera companhia

sigo-o nessa estrada que segue
e cegos inda ouvimos
as imagens refletindo suas pupilas
a nos falar da natureza do rio Po ou do Amazonas

montanhas cantam trilhas
lá diante onde nasce o sol
e desce a água que deslumbra
a vida que sua luz inda ilumina

um pai de modos simples que ensinava
ouvindo sua voz naquilo que contava
aprendia enquanto discorria

conhecia a vida porque era homem
amava a verdade o equilíbrio sutil na natureza
a gente e sua vida

o amor é uma companhia
[1]
dizia com suavidade tranquila
debruçando-se como a entender
outras vozes que o inspiravam
a história recordando o sonho

fora menino
onde gente em outra língua
ressoava outras vidas

neste poema da memória
sopra a brisa
sobre a pedra só idêntica a si mesmo

cada instante é outro instante
as palavras soam
não brame o vento no oceano
quando o céu azul de nuvens brancas
flutua presenças pressentidas

o menino ainda corre sob castanheiras
habita em mim
eterno é seu teatro que
por onde passo enceno
e não vivi

esqueço a realidade
não a limito ao mistério
de sentir a suave inclinação da liberdade
do menino sobre a relva entre pedras

descabelado ao vento
despencando o campo onde
ouço o eco
como um grito no horizonte
eco
de alegrias no futuro

corro
entre videiras e heras amarelas
para sentar sem hálito o coração acelerado
na passagem do mito que me acena

sigo o perfume sutil em meio ao verde
no poente quando o sol aquece pedras
para vibrar na alma
o coração
um doce-amaro

toco-me para sentir que sou
onde estou feliz na vida continuada
sendo eu a trilhar o seu caminho
em sendas da memória.

torno à velha praça descubro dois caminhos
um que sobe a encosta e chega ao alto
onde a vista abriu-se em horizonte
outro modesto esgueira-se à sombra
e leva ao velho Duomo a agasalhar os que ficaram
nas sombras do vilarejo pobre
onde ouço o eco do menino

…“Cosi tra questa Immensitá s‘ annega il pensier mio;
e il naufragar m’ è dolce in questo mare.”
[2]


Roma, outubro de 2004.


[1] Fernando Pessoa, “O Pastor Amoroso”
[2] “Assim, nesta imensidão afoga-se meu pensamento;/ e naufragar me é doce neste mar.” Leopardi, in “L’Infinito”.

O CERCO




prisioneiro em cela solitária
irredutível inestensível
limitado relativo
no ilimitado cosmos
meu espanto
encontrado nas palavras
em meio ao mar
do entendimento

réstias de luz parecem liberdade
mas são sombras
da impossível compreensão

somos o que somos
sem o atributo do Deus
Moisés colhido
à saída para a Terra Prometida

o vício de pensar
o irresistível humano de sentir
o desejo físico de ser
a inventada razão
a realidade a verdade e a mentira
a teimosia sistemática de desconhecer
o caótico movimento perpétuo do mistério
do insondável fado
do nada que comparece
do caminho inelutável
rotas rodas
humanas como todas as coisas são

colunas rotas
sombra de um longo dia
rio eterno a fluir
sobre a estepe rasa fria
o destino das palavras recusadas
nada existe
nada
de nós mesmos se excluímos a complexidade de tudo
na sonoridade das palavras
enganados em suas entonações onduladas


Roma, abril de 2005.

HORIZONTES

HORIZONTES



tempo humano sol tardio
dia que se amplia
fantasia

entre rocha e fissuras
vozes passadas
em seu retorno ao tronco
soam ecos de raízes nunca transplantadas

ouco-os claros e há vento
nenhuma solidão
teatro de onde estou
e vivo o ato

bambini gridano a eco:
Rolando Asunta Pietro Gertrude!
eccomi eccomi eccomi
eccoci tutti

il pomeriggio aspetta che il sole s’annidi
sulle veneziane chiuse
Pedivigliano diventa incandescente prima di dormire
i sogni ricchi della gente povera
[1]

mar incógnito distante e intocado
vem-me o passado transplantado
em noite que desliza luz
estrelas
da terra pobre que se afasta

mãos de mãe
em lar sensível de não ter
o horizonte ainda não visível

do outro lado o abstrato sentimento
aurora
a murmurar esperança
semeando

il guscio del futuro scatta
un soffio di vento
diventato un soffio al cuore
partono
[2]

o passado abandonado âncoras suspensas
e o destino em outro mundo.


Roma, agosto de 2004.


[1] Crianças gritam ao eco:/Rolando Assunta, Pedro, Gertrudes!/Eis-me aqui!/Eis-me aqui!/Eis-me aqui!/Eis-nos! Todos!/ A tarde espera que o sol se aninhe,/com os raios sobre as venezianas cerradas./Pedivigliano torna-se incandescente antes de dormir/os sonos ricos de sua gente pobre./
[2] A concha do futuro libera/um sopro de vento/tornado um sopro no coração./Partem./

EMIGRANTE



---------------------------------1

é indecifrável o enigma na busca de um sonho
vento a soprar o pólen e aflorar raízes sob novo sol

viveram sonhos eu escrevo versos
mas encontro sombras na solidão acorrentada em liberdade
que não dizem nada e me falam tudo

sei que é desviver deixar o solo seu
que se faz com rochas arrancadas de seu leito

a sombra viajante deseja nova luz
quando a redondez do espaço
tangencia o sol e o calor é frio...

o novo lugar é apenas outro espaço
a destruir o claro da verdade em incerteza escura

a alma em um só verso dividida
grita o sofrimento da distância
no desalento sem ruídos dos fantasmas de seus dias

a eternidade é o único destino

e ao gesto largo da partida na lembrança insistente do passado
pertence o mistério do adeus a agonia
da canção toada sobre o mar sem eco
engolindo o sol

------------------------------- 2

a inquietude acode e tange o sentimento
do desconhecer irritante como um pesadelo
inocente no passado
sono em sonhos de sonhar o mundo

todos vultos crescem na distância
são verdade
que redemoinha
roda e roda
e sobe
elevando a mito a terra prometida

o acaso é chão então enigma

da roda do moinho retomada
girando sobre si mesma
ilusória
devolvendo a idéia de pobreza
o sofrimento da saudade
gira gira
na solidão do vento frio
na vida nova em seu passar fugaz
como quem fica sem querer ficar
dias meses anos
passa passa e passa
guerreiros condenados no trabalho
determinados
sendo o que podem ser

não há mistério nas lembranças esquecidas
relíquias
da última visão do abril claro da partida
dos campos calabreses

-----------------------------------3

tecido nos dias de montanha
o pensamento é meu e o sentimento do passar os anos
restaura casas demolidas
eras divididas
quando ainda é manhã no paesino em pedra
e seu balcão pendentes rosas
estanca o tempo
que em mim jamais esfumará

nunca resisti à emoção da encosta
flores e castanhas cinzas
do alvorecer da esperança consumida em claro
a navegar o mundo e descobrir o sonho

em sua terra vida igualmente minha
de algum modo minha
retoma os irmãos enamorados
e fica a história de sua altiva saga

deles o suave recordar será suave ainda
quando eu não o lembrar
[1]

----------------------------- 4

renasci no tempo circunscrevendo o vento
a sonhar os deuses e viver a Itália
na Florença de arte consumada
aquedutos colunas e o poema
na bela Roma dourada

consuma-se o tempo na palavra
quando simultaneamente caminhamos
para além da razão

e retomo a roda
de girar o vento
de passar o tempo
de rever o céu
de contar estrelas
de amar a casa nunca ignorada
e os belos campos das flores amarelas
entre colinas pedregosas
da beleza da memória.

in sogno può accadere dicevano… dicevano,
[2]
mas sob tutela dos que foram
quando aqui não eram estrangeiros

entre esperança e deseperança
na lembrança amarras afetivas
âncoras
na mesma rua e na altivez tranquila
no fruto semente raiz
de gente livre como deuses.


Roma, setembro de 2004.


[1] Fernando Pessoa/Cancioneiro
[2] Em sonho pode acontecer, diziam…diziam,

PEDIVIGLIANO


PAESINO AMATO


Vencido no invencível tempo paesino
és linguagem do passado sol insinuado
nas frestas tenras de um distante sonho.

Saudade da antiga terra
que o futuro tira a meio do caminho
do tempo não vivido
como vento em seu passar ligeiro!

Restou comigo o tédio das idéias
expostas aos olhos do sonho nunca passageiro.

O outono de folhas caducas precedia a neve
o frio e campos de brancura
ciclicamente. Olhares
familiares gritavam seu lamento.
Pobre tempo!

Amena luz adolescentes
meninos e meninas entre continentes.

O coração velejou com eles
mas aqui tinha textura
de estrelas vigilantes sobre bosques
a iludir um tempo para eles de doçura.

Entrava pelos olhos vida
na noite derramada em nuvens prata.

Na lembrança cantam com voz clara
a linguagem do espaço já vencido
na eternidade das pedras que ficaram
sem jamais terem partido.
Contam a história inacabada.
Palavras insinuam-me
por estradas no alto da montanha
onde o vento se demora.

Pedivigliano páginas de pedra
biblioteca
dos sonhos de menino.

A atenção na pedra concentra a alma
e os pensamentos deslizam como água na carícia desmedida.

A casa mística já ruína
responde a mitos da memória
na vibração presente no compasso
do passar sagrado de um tempo.
São rosas enleadas sopradas pelo vento
do imenso mar difronte al paesino amato.

O tempo vencido a vibração presente
corpo e alma enleados à luz amena
a hora soa quando estou com eles
no tempo cravado de infinito que me ilude
ao escrever este poema.

Roma, setembro de 2004.

PAESINO

PEDIVIGLIANO

[tradução de Luciana Stegagno Picchio]

Vinto nell’invincibile tempo, paesino,
sei linguaggio del passato sole insinuato
nelle lievi fessure di un distante sogno.

Nostalgia dell’antica terra
che il futuro toglie nel mezzo del cammino
del tempo non vissuto
come vento nel suo passar leggiero!

È restato in me il tedio delle idee
esposte agli occhi del sogno mai passeggero.

L’autunno di foglie caduche precedeva la neve
il freddo e campi di bianchezza,
ciclicamente. Occhiate
famigliari gridavano il loro lamento.
Povero tempo!

Amena luce, adolescenti
bimbi e bimbe tra continenti.+.

Il cuore ha veleggiato con loro
ma qui c’era tessitura
di stelle vigili sui boschi
ad illudere un tempo per loro di dolcezza.

Entrava per gli occhi vita
nella notte sparsa in nuvole d’argento.


Nel ricordo cantano con voce chiara
il linguaggio dello spazio già vinto
nell’eternità delle pietre che sono restate,
senza giammai essere partite.
Raccontano la storia incompiuta.

Parole mi insinuano
per strade nell’alto della montagna
dove il vento si attarda.

Pedivigliano, pagine di pietra,
biblioteca
dei sogni di fanciullo.

L’attenzione alla pietra concentra l’anima
e i pensieri corrono come acqua nella carezza eccessiva.

La casa mistica, già rovina
risponde a miti della memoria
nella vibrazione presente compasso
del passaggio sacro di un tempo.
Sono rose allacciate soffiate dal vento
dell’immenso mare di fronte al paesino amato.

Il tempo vinto, la vibrazione presente
corpo e anima avvinghiati, alla luce amena
l’ora suona quando sto con loro
nel tempo trafitto d’infinito che mi illude
mentre scrivo questi versi.

Roma, settembre 2004

MEMÓRIA



--------------------------------------1

esta é a memória do canto desolado
do silêncio melancólico
das casas nas montanhas de cor cinza
frias
onde se ergue o paesino em pedra

vulcão no horizonte de todos os destinos
homens e mulheres nivelados
no assombro de uma velha casa arruinada
constrangidos

recupero a alegria de momentos felizes
nas alvoradas claras dos claros dias
do tempo na vigília do futuro
em histórias do passado

ciclo da beleza de crianças
a rodar o canto e roda
metáfora de todos os encantos
cores
alegria das primeiras flores

…infinito silenzio a questa voce
vo comparando: e mi sovvien l’eterno,
e la morte stagione, e la presente
e viva, e il suon di lei.
[1]

linguagem da contradição com a tristeza em tempo de pobreza

retomo a sobriedade de adultos
camponeses ao redor da mesa vazia
socorrendo o fim consumido em claro
crucificados no instante

longe a ilha esfumaçada insiste em não ser esquecida
como fantasma a fumegar o tempo

--------------------------------------2

meus olhos são memória debruçada
sobre o canto da cigarra de novembro
em torno da pedra da verdade fugidia
na esperança destruída
ilha em casa aquecida
fogo crepitante acalentando a vida

a verde encosta no existir adormecido
a reviver o sentimento dos olhos sonhadores
à porta entreaberta da poesia
como luz que ilumina olhos
e recorda os que se foram
talvez numa elegia à velha casa vazia
aparentemente nua e fria

verde encosta verdes vidas
verde enigma
verde como saudade



Roma, outubro de 2004.
[1] Leopardi, “L ‘Infinito - …infinito silêncio a esta voz/vou comparando: e me sobrevém o eterno,/e a morta estação, e a presente/ e viva, e o som dela..

MEU MUNDO ROMANO

[não esquecerei]


foi uma tarde com sabor de manhã
aquela em que cheguei
a sonhar de olhos fechados
e sentir o perfume
da outra noite e de uma nova manhã
na tarde esplendorosa
precedendo outra noite de ilusão

entre céu e terra sem ruído
um amor maior abrindo pétalas invisíveis
não esquecerei

ah! noites de manhãs tão doces
da juventude que precede
o dia tecido em escarlate em tardes de verão
tão longo um instante de beleza basta
não esquecerei


Roma, julho de 2005.

JOÃO PAULO II

Roma ora com tristeza que não vi outrora
para velar o Papa que expira
Roma chora
um choro de amor

a presenciar o desenlace
da morte que renasce
tão verdadeira como o ar suspira
vida
é espiritual o clima
na paisagem a multidão murmura
o céu ainda azul
da primavera em cores de glicínias
sobre a relva verde e úmida

ao sopro da porta que talvez seja divina
cânticos misturam incenso e mirra
no gemido de dor e alegria

a partida dói mas a ressureição é vera
além do portal
que aberto mostra
a vegetação de pradarias e montanhas brancas
serenidade
da quietação num silêncio indefinido
entre velas e sombras ondulantes

a espera é calma como a água
que repousa enquanto nasce o sol


Roma, 2 de abril de 2005.

DESTINO

[destino revisitado]



o sonho dentro de meu sono
desperta a lembrança enriquecida
da vida que perfumou outros perfumes
e se foi na gota de saudade

silêncio de castanhas céu e solidão
eis o cenário
que povoa a memória de meus sonhos

a montanha a pedra à distância respiram à luz do vento
lá onde se aninha o refúgio do pastor

ovelhas magras cabras enchem de balidos
o tempo de emoções na curva do passado
ritmadas

a irrealidade da tarde passa mansa onde a brisa sopra
vidas atrás de janelas semi-cerradas
diferentes a olhar a gente nunca indiferente
que olha a gente a olhar gente…

a tarde pedregosa debilita o alento entreaberto
nas frestas entorpecida
em seu sossego escape da esperança

é fine della giornata
I pensieri s’intrecciano nel tempo
come a provocarmi il verso
campane suonano mentre dormo e sogno
il passato rimpianto e lacrime
a dire adio
tra boschi e campi e fiori
per il viaggio dell’ultima loro speranza
[1]
o sonho do destino

vastos longos dias entre tardes mornas frias
a noite silenciosa do destino imaginário é sonhadora
sol e lua
na encosta em pedregosa via da subida
luar ensolarado
fímbria de luz insinuada na modesta escura casa
a desejar o paraíso

enrodilhando montes gerações decifram
os caminhos enredados que alguém ainda trilha
em torno de si mesmo
girassóis na insistente busca do ritmo do sol
único parceiro que ficou

o céu ainda é claro mas desmaia
no distante firmamento nestes ermos
cujos sons sólidos severos
ensimesmados
ecoam solenes nas ruas desalmadas

ora já não sei se vultos são fantasmas ou deuses
imutáveis nas estações do tempo
no consolo perseguido
no regresso desejado
em teias afetivas
dos que deixaram tudo
para correr o rio de outras vidas

a gente se recolhe na penumbra
para construir a sua noite

sola nel mondo eterna a cui se volve
ogni creata cosa,
in te, morte, si posa
nostra ignuda natura,
lieta no ma sicura
dall’ antico dolor…
[2]

estou inteiro aqui
outra vez nos mesmos montes
pedras
e o destino entregue
à morte impressentida à vida ignorada
aqui onde me espera a impalpável lembrança

não sinto o transe da saudade mas saudade
nos dias claros da lua solitária em noite doce
que me relembra todos e ainda brilha
su.


Roma, setembro de 2004.


[1] É fim do dia./Os pensamentos enlaçam-se no tempo/ como a inspirar-me o verso./ Sinos soam enquanto durmo e sonho/o passado, saudade e lágrimas/ a se dizer adeus/em meio a bosques e campos e flores/para a viagem/ de sua última esperança,…
[2] Só eterna imortal no mundo a que retornam/ todas as coisas criadas, em ti, morte, nossa nua natureza repousa/, não feliz mas segura de sua antiga dor… Leopardi, “Coro dei Morti”

DESESPERANÇA

à noite sonhei com a desesperança
contradição entre o dia de alegria e a noite
funda de melancolia

sonhei que amanhecia
mas a manhã era um murmúrio de silêncio
dessa realidade ruidosa e louca

que importa perguntei
se o ruído rompe o silêncio
e tudo
apaga a consciência?

sonhei sonhar com a desesperança
como ausência
inexplicável vital intrusa vil
na noite em que recolhi meus pensamentos

não sei bem o que sonhei nem o esforço de recordar me apoia
ao descrever neste papel a dúvida
a inquietação
que esse ruído de existir me cria


Roma, 2 de abril de 2005.

SAL DA TERRA


grão de sal ao sol
areia da manhã
raio de luz em meio ao mar
estrela fugidia luz da noite
símbolo de todos os símbolos

tua vida recupera a morte
do tempo inconsequente
guardo de ti a encantada fantasia da realidade que criastes
sal da terra
tu és Roma


Roma, julho de 2005.

AGOSTO/FERRAGOSTO



[a criptográfica linguagem dos símbolos]


é agosto

transfiguras o sossego peregrino
no pátio do desassossego
aprisionando deuses
em pedra ao sol
à sombra do mistério de tuas óbvias igrejas

a luz devasta o silêncio
seca o verde
pressente esquecimento
atrás do tempo que vem cedo
na fuga inexplicável de um dia de ocaso

o anoitecer encarcerado
no céu metálico de um dia agonizante
longe da verdade
é puro fogo

tudo são restos desolados
da mortalidade eterna
ignorando Cristo
que Roma não venera nesse dia extremo

Roma, agosto de 2003



FERRAGOSTO



ruas e ruelas trilhas místicas
vigília em torno do nada
míticos brilhos em céu excessivamente claro

o sol aquece o espaço
sem mais vida
em apáticos sujeitos e horas vãs
nenhum ruído
incomunicado
o instante abafa a consciência estarrecida

vultos e sombras invisíveis
silêncio sideral
sentimento do nada
talvez a energia da morte

a vibração solar emana em pedras nuas
em pleno meio-dia no tempo elementar
o dia obscenamente quente crepita em fragmentos
no espaço aquecido por um sol de medo

versos perplexos
furtam meu juízo indecifrado
das razões irreveladas

a esfinge do universo estilhaça o espanto
no espelho inclemente sem sentido

zênite
no mau sentido de um dia vazio

Roma, Ferragosto de 2004.

ALBA



o tempo descansa de mil anos
diversos daquele que vivemos

a cada ciclo
o dia curto a noite breve

a estrela matutina anuncia sob névoa
a aurora e a noite derrotada
como se tudo começasse com o sol

é madrugada
desperta o tempo misterioso
feito de vidro

fica a noite abandonada
hermafrodita ensimesmada
apenas recusada

cristal sob a penumbra impura
a aurora vinga a noite escura



Roma, agosto de 2004.

BALADA

tarde romana
a preguiça descolora o azul
no céu cúmplice o sol já queima o tédio
inevitável no desenlace do poente

flores sensitivas
choram o dia
solfejando o tempo

nestas ruas o destino não oprime
o perfume suspira
o sono da noite desfalece o claro
oblíquo entre palácios
que serpenteia rosa à luz que bruxuleia


Roma, julho de 2004.

COLUNAS



a coluna sobe dórica
entre o passado e o futuro

o ritmo do tempo domina o próprio tempo
é manhã adormecida a hora vaga
um instante
outro ainda outro

o tempo torna-se poema
na metafísica da memória elementar
vista da sacada
a respirar a aurora
em perfumes ascendentes
rodopios

à tarde
as coisas são sombras
os destinos nivelados
e a coluna aberta ao universo

Roma, julho de 2005.

sábado, 21 de junho de 2008

ROMANI



ROMANI


Bere un caffè
lungo
ristretto
macchiato
expresso
caffè latte
cappuccino
con schiuma o senza schiuma
freddo
normale
chiacchierare
discordare
imprecare
romani

Roma, julho de 2004.

TEVERE



TIBRE


é velha a idéia do passar das águas
ilusórias em rios renascem cada dia
sobre pedras
murmurando o mistério sinuoso

álamos afinam-se comigo
pesados sobre o Tibre
triste e pesaroso
ao só acaso
das águas oscilantes
que soantes como sinos
ecoam o fim do dia

descuidadamente antiga
Roma rouba o eco intermitente
do tempo na passagem deste rio


Roma, julho de 2004.

UM DIA EM ROMA

sol incandescente
esquecimento
sinos no poente

o dia esmaece solitário
no ocre do futuro que não dura

um vulto debruça-se
à procura do rosto indecifrável
em vielas escuras povoando o dia


Roma, agosto de 2004.

TU ÉS PEDRA





devolvo-te meu olhar do infinito
intangível
tu és a pedra do princípio
água e sol em simbiose
da perspectiva do infinito

tu és Roma
de onde venta o vento
a pedra onde Pedro fundeou a fé
sagrado o mundo

conheci-te nas margens do sonho
vivi do desejo
caudal no limiar de onde estás
ensimesmado e isolado
em meu silêncio

dura pedra
tu me ensinastes o desengano de estar só
no assombro de ser eu e meu caminho
tenso e distraído


Roma, agosto de 2004.

ROMA III








Roma
tempo sobre tempo sobre tempo
não o instante que não conheces
mas a eternidade

tua história é o fluxo do tempo
que passou por ti na civilização pagã
no limbo da civilização cristã

teus manes convocados
aos olhos sábios
da morte permanente
testemunham a pequena morte de cada esquecimento

tomo-te Roma aqui mesmo
sublime a imaginar
sem tempo a perturbar o pensamento
o esplendor do espaço

mapas vivos
contra a dimensão fria do presente

petrificada adormecida elegante
geometricamente
Roma
és corpo sem ossos em teus braços distante

és ainda a cruz
na solidão dos homens
e o silêncio dos deuses
cruzamento de quatro direções


nos desvãos de teu pensamento
oscilam idéias de ser
sobre existir
o sonho no deserto
sopro

pontes entre eras
tua memória vive no porão do universo


Roma, inverno de 2005.

ROMA [dal externo]



ROMA
[interno dal externo]



--------------------------- 1

parece Roma que o sem tempo tomou conta de teu tempo
que não tens o instante
que não conheces hoje e não esperas amanhã
parece que tua história não vive o fluxo do tempo

soubestes da vida porque és vida
conhecestes o tempo porque ele passou por ti
na tua certeza da civilização erudita e pagã
que impusestes a tuas colunas
que fizestes escorregar no limbo
da civilização cristã

tu vives do sudário imposto sobre pedras
tu és pedra e transformastes em pedra
teus manes convocados
na morte permanente
da pequena morte de cada esquecimento


-------------------------------- 2

Roma tomo-te sublime à sombra
da justiça sábia em um planeta cego
condenando indiferentemente romanos e gentios

no ressurgir os mortos emanam como espírito
o fogo e o passado
contra a escura noite a dimensão vazia

--------------------------------- 3

petrificada prevaleces predadora à luz suave
da história que adormece em colunas elegantes
eretas geometricamente
em pedra

a cruz que surge nas estradas
sombreia teu corpo
e estende-se infinita
na seqüência fotográfica das sombras

o silêncio dos deuses confunde-se com a noite
nenhum ruído nem murmúrio
do som mudo das almas

a noite repousa nos desvãos de tuas ruelas
onde oscilam passos no vai-e-vem de outros passos
que ressoam o som e o sentido de meu sonho


------------------------------ 4

sandálias na aspereza do granito
caminham pontes entre eras
em busca da memória adormecida
no porão do tempo histórico

a cidade dorme em círculos concêntricos

Roma, verão de 2004.

ROMA ETERNA



tempo indecifrável
luz transfigurada
espelho estilhaçado
fragmentos inconjugados
Roma eterna

o enigma de fundir o dia ao sol é a mesma luz
no universo crepitante

o tempo
e
dois meninos consanguíneos
sonho herdado na memória enriquecida
da eterna loba aprisionada entre campanários e altares

cortejo do que não passa e não regressa
no misterio do vento que arrefece
que é ruína do tempo onde me movo
e um pouco me enternece

di sentiero in sentiero
folgori nembi vento
[1]

ainda sem face
versos de um poema
repetem a mesma história impura
tediosamente
culto à noite escura



Roma, agosto de 2004.


[1] Leopardi, inspiração em frases esparsas: …de caminho em caminho/ clarões nuvens vento…

ROMA II

[um canto ao tempo]



entre o que foi e o nada
fala o tempo disperso
em sombras da razão imaginada
da intenção adormecida

em séculos de inteligência
morre e renasce o futuro
o momento a eternidade e o dia

sombras da perda e servidão
um direito em bustos arruinados
sob a rebelião do olvido

o perdido nexo destruído
colunas assexuadas
sombras de todos nós que humanizamos
sonhos calcinados
na relação entre o o que é
e o que passou

a porta aberta
na ironia de civilizar a morte da esperança

necrópole do tempo
entre a espada e a cruz
o destino profético levantino
celebrado em toques vespertinos

ao sopro do Scirocco venta o ocre fim do dia
atrás do tempo atrás
da civiltà ignorada

tudo terminado
sono seduzido pela luz.
sandálias e é tudo crueldade,

il male e l’impietà in cerchi distinti
il pianto gli errori l’ironie e le parole…
[1]

Rafael de Urbino Bramante Bernini Borromini
Michelangelo o Caravaggio salve! o tenebrismo
tu escondes Roma o tormento


Roma, agosto de 2004.


[1] O mal e impiedade em círculos distintos: o pranto, os erros a ironia e as palavras…”

PAX ROMANA

PAX ROMANA

ao Império


sorte
destino e morte
marmóreo suceder dos séculos
entre loba e idéia
a verdade cercada de reflexos
império do universo no universo

Roma deu-nos Jupiter
romanamente o mar coube a Netuno
e as escaldantes profundezas a Plutão.

torre visionária
derramou a alma no espaço
e dominou o mundo:

palavra ambição
guerra lei
ideal de poder
o verso virgiliano seco de paixão
todo e parte
um conceito de arte

o grande enigma no mistério
de um Deus visível na invisível fé
de homens livres
escravos
da crença e da descrença
na eternidade desconcertante do destino


Roma, julho de 2004.

ODE A ROMA





amo a roma azul e a vivo ocre
a roma doce em perfumes fortes
jasmim ao sol
em verdes folhas branco como neve

beleza quando entra o dia
bate o sol à porta
flor mirada
de palavras-luzes em meus olhos cegos

como é belo o mundo
os verdes verdes
verdes das colinas
o desejo de viver

aceito roma em meio o rio
ruelas na luz de cada madrugada
sonora história
da realidade e da memória

sol de roma
plumas velejando o ar
douradas enlaçadas aspiradas
sopradas pela brisa esvoaçadas

a luz de cada fresta
as janelas
persianas italianas meridianas
entreabertas são abertas transparentes
sob sons sonoros das feiras buliçosas
ardendo il grido ripetuto ogni giorno
che sorride come ode al sole
e rallegra il cuore
assai romanamente felice
[1]


Roma, 30 de junho de 2005


[1] …ardendo o grito repetido a cada dia/ que sorri como ode ao sol/ e alegra o coração/ tão romanamente feliz…

ROMA

IRREMEDIAVELMENTE ROMA



irremediavelmente Roma
árvore que é sombra
viveu tempos
vive ainda
viverá
per omnia secula seculorum
romana
entre vales e colinas
sete
serpenteando sua grandeza
tanto no céu quanto na terra
monumento
como pinhos a dar sombra
à sombra projetada em outros mundos

e ao pé da grande rocha
Pedro
abriu à Luz
que em si mesma se abisma e nos ofusca
impenetrável Roma

Roma, julho de 2005

GIOIA

GIOIA ROMANA



anônimas velhas casas
gente pedra
Pedro
explodindo eterna
desenhando o vento
a cidade jovem

lábios sensuais gesticulam falas
“come fanciul ch’a pena
volge la lingua et snoda,
che dir non sa, ma ‘l piú tacer gli è noia…”
[1]

só alegria nas ruelas plenas
paisagens da memória
tudo aqui se encena
arde ’l fuoco
fa fuoco e fiamme


Roma, agosto de 2004.





[1] Petrarca CXXV – Rerum vulgarum fragmenta: “…como criança que apenas/ solta a lingua e fala,/ o que não sabe, mas calar-se aborrece...”

GIOCOFORZA

"O faticosa vita, o dolce errore,
che mi fate ir cercando piagge et monti!"
[Petrarca]

Oh! Vida tão inutilmente perdida,
que nos condena a vê-la repetida
e inapelavelmente desaparecer!
[Perri]

Roma, fevereiro de 2005.