domingo, 22 de junho de 2008

RICORDANZA

RECORDAÇÕES DO QUE NÃO VI


----------------------------- 1

Tosca Itália minha Itália!

---------------------------- 2

teu corpo adornado da eterna arte
é tua escritura Itália teus poetas teus filósofos
não a sobra de teus deuses

guardo de ti o respeito deslumbrado
do arado e seu traço no sulco de caminhos caminhados
amo tuas encostas
as flores amarelas em teus campos,
os vilarejos arrampicati
nas montanhas o teu passado

-------------------------------- 3

calabrezes outra gente
desamparados da bota descalça nos ladrilhos rotos
o destino de tuas águas era não ficar em ti

jamais imaginei tocar os sonhos de meu pai!
vivo Itália a saudade do que não és
a lembrança cintilante dos olhos de meninos
nas duas vezes que partiram

guardo a impressão de tuas estrelas
dos campos doces a verdejar em flores
da sombra amena dos ciprestes,
e eu pensava
felicità fingendo al viver mio.
[1]

lembranças em muros de tijolos
curtidos escuros rompidos
circundando lajes em pátios centenários
de casarões onde nasceram
mas não morreram

---------------------------- 4

Sempre em negro lenço trançado sobre o olhar furtivo
indagativo crítico sofrido
di questa vita dolorosa e nuda
em selva de ciprestes sensitivos

che dolci sogni
donne nascoste e le finestre chiuse,
guardano la gente di sfuggita sconsolate
per insinuare pensieri inutili
benché ‘l parlar sia indarno a le piaghe mortali
[2]
ai vecchi ai mariti al padre autoritario
alla gazzarra dei bambini ribelli
sulla piccola piazza del paesino arrampicato
dove le pietre erano case
e la fratellanza presente
erano loro erano quel lume di gioventù
e como un sogno fu la loro vita!
[3]

Olhos de meninos azuis os montes
por onde a infância a colher flores
corria entre
erbe del loro orto
erba amara erba mora erba morella
erba stella erba strega

a ver o mar
do Vesúvio fumegante
o Stromboli distante
e o Etna
mai visto e le loro luci al buio fondo nero
[4]

ascoltando il canto roco della montagna minacciante.
sotto quel cielo di quelle stelle
quei monti vaporose erano giganti
i fantasmi dell’ immaginazione
a che varcare I confini fanciullo
io mi sognavo.
[5]

com os olhos no passado vejo o presente
futuro que a vida lhes roubou em terra ausente…


------------------------- 5

nunca se calaram entre cadeiras à calçada
em seu desterro alegre
viveram a melancolia da saudade
de lembrar il paesino
no tempo abbandonato

recordações histórias mitos
il lupo mannaro nel grido lungo della sera
un grido di dolore sconsolato
le grida dei bambini che giocano…
[6]

em cada um mitos desdobrados no emaranhado dos sonhos
entre o que houve e o que não houve
entre o que conhecem e o que não sabem
nunca a indiferença
mas
il pensier del presente, un van disio
del passato, anchor triste, e il dire:
io fui
[7]

a segurança eram olhos fitos no futuro sussurrante


Roma, agosto de 2004.

[1] Leopardi, in Selected Poems, Le Ricordanze : “Felicidade fingindo-me o viver.”
[2] Petrarca, Canz., XXXVIIi
[3] Leopardi, Le Ricordanze

[3] Que doces sonhos
mulheres recolhidas eas janelas cerradas,
olham a gente de soslaio desconsoladas
para insinuar juízos inúteis
já que falar às chagas mortais seria em vão
aos velhos aos maridos ao pai autoritário
à algazarra dos meninos rebeldes
espalhados na pracinha do vilarejo pendurado
onde as pedras eram casas
e a irmandade presente.
Eram eles, eram aquele lume de juventude
e como um sonho foi a sua vida.

[4] …e o Etna nunca visto, e suas luzes contra o escuro fundo negro.

[5] Escutando o rouco canto da montanha ameaçante
sob aquele céu de tais estrelas,
aqueles montanhas vaporosas
eram gigantes
fantasmas da imaginação,
e que ultrapassar-lhes os confins, menino,
eu sonhava.
[6] o lobishomem no longo uivo da noite
um grito de dor desconsolado
os gritos dos meninos que jogam…
[7] Leopardi in Selected Poems, Le Ricordanze :” A consciência do presente, um vago desejo / do passado ainda triste, e o dizer: eu vivi.”

Nenhum comentário: